14 de junho de 2010

A beleza é essencial


A mulher mais bonita que conheci pessoalmente era uma velhinha corcunda que morava perto da minha casa, quando eu ainda residia com meus pais. Seu rosto era uma página de bondade.
Ela vivia sozinha. Uma vez me chamou ao portão com tamanha humildade e doçura, que o aceno da sua mão mais parecia o movimento da asa de um querubim. Queria falar com a minha mãe, mas antes de solicitar isso, fez uma primeira pergunta querendo saber se poderia fazer a segunda.

Uma alma angélica, elegante e gentil. Quando disse que iria chamá-la, respondeu-me com um sorriso de imensa gratidão, como se o que eu fizera merecesse toda a reverência do mundo. Convidei-a para esperar no terraço. Ela recusou dizendo que estaria bem na calçada, não se considerando digna de entrar em nossa casa, muito embora não existisse um paraíso, em qualquer parte, que não pudesse se honrar com a sua simples presença.

Um dia escutei que ela se acordou numa manha de domingo e fez uma longa prece a Deus, contando-Lhe toda a sua vida. Morreu naquele mesmo dia, em luminoso silêncio, com a mesma sutileza do passarinho que pula do galho em direção ao céu. Encerrou-se, assim, um dos mais bonitos capítulos de santidade anônima que este mundo jamais presenciou. Avistei-a, se tanto, duas ou três vezes, mas a infinita beleza do seu espírito nunca abandonou os meus olhos e nem o meu coração.

A beleza nada tem a ver com cosmetismo. Ela é uma condição profunda, fundamental, permanente. Não se refere a qualquer tipo de avaliação epidérmica da aparência dos outros. A beleza exterior deve ser uma indicação, um cartão de apresentação, da beleza interior. O que é belo por fora é uma lembrança daquilo que é verdadeiramente bonito. Quando não é assim, a beleza é sempre uma decepção ou uma ilusão.

Disse Balley Ardrich que "o que é belo não morre: transforma-se em outra beleza" O que é belo de verdade, permanece. A passagem dos anos não lhe deteriora nem lhe mutila. Ele transcende a mera aparência. Ao contrário, aquilo que é superficialmente belo, falsamente belo, fenece.

Por mais que se esforcem os cirurgiões plásticos em suas técnicas e a farmacologia em suas substâncias "rejuvenescedoras", o tempo sempre vence. Isto é um fato. Não há escapatória para a decrepitude física através dos paliativos cosméticos. Uma maquiagem será sempre isso: um disfarce. Como um acessório pode até ter sentido, mas será deprimente se tomada como uma razão em si mesma.

Era um costume medieval o das mulheres furarem os dedos para extrair sangue e passar nas bochechas, com a finalidade de parecerem mais coradas. Uma mulher de aspecto anêmico era vista como pouco fértil e preterida, para efeitos matrimoniais, a uma outra de fisionomia mais rosada. Daí vem o hábito de usar "rouge". Está claro que pintar a cara de vermelho não torna mais promissora a saúde de ninguém. Melhor seria comer beterraba ou cenoura e manter uma dieta rica em ferro. É perfeitamente aceitável, entretanto, que se deseje acentuar certos atributos naturais, emoldurando-os com um ou outro recurso cosmético.

Considerando a psicologia feminina, todavia mais compreensível. Independentemente de gênero, porém, o risco está em dedicar-se mais a adornar a capa do livro do que a escrever o seu conteúdo. Um volume com excelente apresentação e recheado de páginas em branco não é um livro, mas um caderno, pois está vazio.
Não devemos permanecer bruma e aparência, mas sim nos tornarmos em algo melhor, interiormente. Não falo de erudição, que não passa de um outro tipo de maquiagem. Nem de obter títulos, que não diminuem a orelha de ninguém, como bem disse o Barão de Itararé. Refiro-me a acender a luz interior que permitirá, então, ver bem aquilo que é belo ou não.

Um anjo não contempla outra coisa senão a bondade, porque, ele próprio, é bondade. Nós também acabaremos por nos transformar naquilo que admiramos. Quem olha o bem, avizinha-se dele.

Desde uma ótica interior, a escória se separa do ouro, sem esforço. Tudo parece mais bonito quando miramos a partir de dentro de nós mesmos.

O melhor ponto de vista é o interno. Somente desse modo se pode enxergar o que verdadeiramente importa, sem sofisticação nem camuflagens. O mais simples se apresenta como o mais encantador. A pureza do coração purifica o olhar e, assim, pode-se contemplar a luz sem se ofuscar.

O que adianta uma face bela e rosada se a alma é pálida? Cultivar a beleza do corpo sem possuir um bom coração é como enfeitar um cadáver para o enterro.

Uma árvore pode parecer exuberante, mas a sua beleza não vem dos frutos, das folhas, do galho ou mesmo do tronco. Vem da raiz e, mais ainda, da semente.
Sim, a beleza é essencial: ela está na essência!


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